quarta-feira, 27 de maio de 2009

Cacos de um espelho que eu não olhei

08:30h. Em casa, esperando a hora de sair para a faculdade, lendo o final de um livro que escolhi para passar o tempo.


“No único jornal da oposição, vibrantes plumitivos botaram a boca no mundo, em artigos, sueltos e a pedidos, que respingavam, todos eles, indignação, vergonha e sangue, falando na volta dos tempos ignominiosos quando o sul do Estado era terra de criminosos desnaturado, monstros desalmados, bandidos sem lei. Os três diários governistas, não menos veementes, retrucaram que, muito ao contrário, o que se dera fora a imposição da ordem e da lei em remanescente valhacouto de bandidos, réus confessos e condenados, trânsfugas fugidos da polícia. Simples, rotineira operação de limpeza que viera pôr termo aos últimos resíduos de uma era de infâmia e barbárie.” – Tocaia Grande, Jorge Amado, 1984.


10:05h. Corredor da faculdade, esperando colegas para reunião de trabalho, lendo livro para apresentação de um seminário.


“Apesar de durante toda semana sermos levados diariamente do PIC para o Ministério, este foi até um período de recuperação, posto que não havia a selvageria precedente. Inclusive, o Major Horta, encarregado do inquérito, respeitou-nos a integridade física. (...) Na sexta-feira assinamos um depoimento onde negávamos as acusações que nos faziam. Parecia que a fase mais difícil havia passado... e era apenas o começo.” – Contido a Bala, Luiz Maklouf Carvalho, 1994


11:30h. Parada de ônibus, fulo por ninguém mais ter ido à reunião. Lendo um folheto entregue por uma professora da faculdade, minutos antes.


“Em 1975, fui testemunha das invasões da Biblioteca Central da Universidade de Brasília por meganhas das polícias militares de Minas Gerais e Goiás. Os beleguins atiravam livros pelas janelas e depois fizeram uma fogueira de ‘literatura subversiva’. Na USP os esbirros se matriculavam para espionar os professores. E muitos absurdos eram cometidos diariamente.” – A inviolabilidade do Campus, artigo publicado no A Crítica, Márcio Souza, 2009.


Seria minha vida um filme de esquerda pós-ditadura?


E você, lembra o que estava fazendo em 1984?


Livro: Contido a bala

Música: Coldplay

By Doutor Estranho

3 comentários:

capostipite disse...

Em 84...
Acho que estava reunido com Deus, decidindo minha vinda pra terra..
Que eu me lembre era isso.. :D

Unknown disse...

Tanto a sua vida quanto a de qualquer um que tenha a mente mais aberta (ñ digo "universitários porque... bah, fala sério vai!). Enfim, em 84... tava chegando num mundo completamente alienigena e estranho!

Aline disse...

Em 1984, com 12 anos, eu estava maravilhada com aquelas histórias de abertura política do país, aborrecida porque meus pais não me deixaram ir à Brasília para acompanhar de perto os acontecimentos. Mas meu pai, que tinha fugido do Rio para Manaus em 67, decretou: "eu quase fui morto pela ditadura, você acha que eu vou deixar você se expor em Brasília?". Foi também em 1984 que eu comecei a namorar. Mas o cara era muito chato e eu resolvi que o melhor, mesmo, era voltar a ser criança. :-)